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13/12/21 às 17h26 - Atualizado em 6/10/22 às 12h45

Opinião/”Saudade” é reflexivo poema visual

Texto Lúcio Flávio. Edição: Sérgio Maggio (Ascom/Secec)

13.12.21

17:20:00

 

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Saudade é uma palavra latina falada em 11 línguas, mas não com mesma intensidade poética e nostalgia emblemática expressada em português. Essas impressões permeiam o belíssimo documentário de poesia, “Saudade do Futuro”, longa que encerra a Mostra Competitiva do 54º FBCB.

 

O filme pode ser visto gratuitamente na plataforma InnSaei.TV.

 

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Programação – 54º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

 

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A edição 54 – 2021

 

Há mais de 10 anos que a cineasta Anna Azevedo mergulha com dedicação sobre o tema. “Estudei letras e, na literatura portuguesa, salta aos olhos a presença da saudade”, conta.

 

crédito: arquivo pessoal

Anna Azevedo

“A história da cultura da saudade em Portugal e sua exportação para as ex-colônias fazia parte das pesquisas literárias. Trabalho com esse tema há muitos anos”, confessa.

 

É um tema que percorre três continentes. Vai de Portugal ao Brasil, passando por Cabo Verde, uma ilha no Atlântico Norte africano. Enfim, países de origens diferentes, histórias como nação, díspares, e que têm um olhar particular sobre sentimentos de pertencimento e patriotismo, todos cercados pelo mar e pelo signo da saudade.

 

Como em outros projetos da diretora, ela afirma, é uma troca de impressões sobre o mundo e os sentimentos. Assim, dentro dessa perspectiva, “Saudade do Futuro” é uma conversa entre amigos íntimos, com mensagens em tom de familiaridade.

 

São pessoas marcadas perdas, ausências, dores causadas por regimes ditatoriais, processos históricos como a colonização e escravidão, partidas inesperadas, às vezes abruptas e insondáveis. “Não há especialistas em nada, apenas amigos conversando sobre um sentimento que lhes é comum: a saudade quase sempre deflagrada por distintas violências”, explica a diretora de curtas como, “Homem-Livro” (2006), premiado no Festival de Brasília. “Conversando com o que sentimos mais do que sobre o que vemos ou achamos”, comenta.

 

E, até pela proposta do projeto, o documentário permite a um flerte telúrico com outros tipos de expressões e manifestações artísticas como as artes plásticas e poesia. O que conduz o espectador numa viagem cheia de sessões norteadas pela precisão da palavra e imagens tocantes.

 

A fotografia assinada por Vinicius Brum é deleite puro. “Sempre que posso, uso elementos do cinema analógico, buscando texturas, explorando a potência das imagens e a beleza que surge das nossas provocações e curiosidade imagéticas e sonoras”, detalha a cineasta. “O experimentalismo é nessa linha, é mais uma busca pelo onírico e poético”, diz.

 

MAR DA FOSSA

 

O mar, muito presente nas partidas e despedidas, é uma força motriz na narrativa de “Saudade do Futuro”. É o lugar onde marinheiros fortes e hirsutos, com rostos castigados e queimados de sol e tempo, deixam lágrimas verterem depois de receber uma carta de distante.

 

“Portugal é um lugar donde se parte muito”, constata alguém, num diálogo casual, a beira-mar. “Lidamos muito com a ausência”, continua.

 

E é verdade. Foi de lá, por exemplo, que partiram as caravelas que descobriram o Brasil e outros mundos, o porto seguro das inseguranças das almas perdidas na saudade infinita de um ente querido, lugar ou sentimento. “Dizem que o mar é mais sagrado que a terra”, diz uma daquelas habituais mulheres lusitanas de preto que andam pelas ruas do país-irmão, escondendo “mistérios que não se revelam na eternidade do luto”.

 

A saudade segue, no Brasil, por meio da fala de mulheres de força interior incrível que perderam pessoas queridas vitimadas pela truculência da violência, tanto num passado remoto, quanto num presente de dor infinita. Também na malemolência cativante do sambista Martinho da Vila, que fala de banzo, a depressão dos escravos, e nas impressões bem intimistas de indígenas da aldeia, Ka’Aguy Ovy Porã, e da ingenuidade sincera de crianças desses três pontos do mundo. “Deus ao mar o perigo do abismo deu/Mas nele que se espelhou o céu”, resumiria de forma, bíblica, quem tão entendia do assunto: Fernando Pessoa.

 

 

 

Mas como sentir saudades do futuro? A diretora Anna Azevedo explica, relacionando com o momento atual do país. “E nesse início de século 21 tão dolorido para todos, com tantas feridas expostas, com um Brasil que volta ao mapa da miséria, a saudade que grita, parece ser a do futuro que nos escapou”, lamenta. “No filme, são faladas de dores passadas e futuras da saudade. Mas não se trata de um filme desesperançoso”, avalia.

 

Embora seja curto em sua duração, com pouco mais de oitenta minutos, “Saudade do Futuro” é profundo como os mares que o percorre. Um belo e reflexivo poema visual sobre um sentimento abstrato que, inegavelmente, mexe com todos nós.

 

PIERROT DO SERTÃO

Credito DivulgaçãoTípica representação dos estados da Paraíba e Pernambuco realizada no período natalino, o Auto do Cavalo-marinho é o tema do curta, “Da Boca da Noite à Barra do Dia”, de Tiago Delácio.

 

Brincadeira tão tradicional como as ibéricas folias de reis, a festa surge, no filme, de forma lúdica e eloquente por meio das memórias vivas de Sebastião Pereira de Lima, o mestre Martelo, espécie de Pierrot do Sertão que tenta manter viva a dança, música, enfim, teatralidade que mantem viva importante manifestação da cultura popular brasileira. Um pequeno ato de resistência pela sobrevivência da arte genuína.

 

Narrado em tom de fábula, o drama gaúcho, “Era Uma Vez…”, mistura documentário e ficção para falar de assunto social seríssimo: feminicídio. A narrativa é construída a partir de fragmentos de lembranças tristes adornadas por fotos, trechos de filmes e slides. São memórias do esquecimento diante dos trágicos relatos de violência.

 

Foto de Maurício Borges de Medeiros“Era uma vez uma menina que encontrou um príncipe”, relata a personagem Nina, ao constata que estava diante do vilão da trama. “Preciso da rede de apoio, da família, de outras mulheres”, desabafa.

 

Realizado e finalizado em janeiro deste ano de 2021, o filme exige atenção máxima pela construção dos discursos, expressando a urgência de uma realidade que já não dá mais para suportar em silêncio. Daí a importância dessa pequena e pungente obra.

 

Assessoria de Comunicação da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Ascom/Secec)

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